Mais uma matéria de interesse de toda a comunidade, especialmente os operadores do direito.
Vale a pena ler e - principalmente - debater
Prof. Edson Nunes Ferrarezi - Redação Jurídica
SUSPEITO DE ROUBO A IDOSOS MORRE APÓS LINCHAMENTO
Por Daniela Arbex,
Marcos Araújo e Sandra Zanella
Um jovem de 18 anos morreu, na madrugada de ontem,
no Hospital de Pronto Socorro (HPS), depois de ter sido linchado por populares
após o assalto a um casal de idosos, na tarde de domingo, no Bairro Cascatinha,
Zona Sul. Marcelo Rodrigues foi encontrado por policiais militares caído no
chão e desacordado em frente a uma agência bancária na Avenida Doutor Paulo
Japiassu Coelho. A informação repassada à Central de Operações da PM (Copom)
era de que o suposto assaltante teria sido perseguido por um grupo e
imobilizado na via, mas, quando a equipe chegou, os suspeitos de promoverem o
espancamento já haviam devolvido a bolsa roubada à vítima e deixado o local.
Em poder do rapaz ferido, os
policiais encontraram uma faca que, supostamente, teria sido utilizada no
roubo. Ele foi socorrido e levado para o HPS, onde, conforme a PM, foram
constatadas fraturas múltiplas em seu corpo. "Chegamos ao local, e ele já
estava no chão. Não localizamos as pessoas que o teriam agredido, e estas não
foram identificadas. De imediato, nos prontificamos a levá-lo, em nossa
viatura, para o HPS. Ele ainda estava lúcido", contou um dos policiais que
atendeu a ocorrência. O jovem, que seria usuário de drogas e teria problemas
psiquiátricos, segundo a família, ainda teria sofrido uma parada
cardiorrespiratória e entrado em coma. Ele foi internado em estado grave no
Centro de Tratamento Intensivo (CTI) da unidade, mas não resistiu aos
ferimentos. Segundo a assessoria de comunicação da Secretaria de Saúde, o óbito
de Marcelo foi constatado às 2h. O corpo foi levado para necropsia no Instituto
Médico Legal (IML).
Ameaça com faca
O assalto ao casal de idosos
aconteceu por volta das 13h30 na Rua Itamar Soares de Oliveira. De acordo com
informações do boletim de ocorrência, uma mulher, 70 anos, e um homem, 73,
foram surpreendidos por Marcelo, que teria feito ameaças com a faca e exigido a
bolsa da idosa. Em seguida, ele teria tentado golpeá-la, mas ela se protegeu e
acabou caindo no chão. O suspeito aproveitou a queda para pegar a bolsa e fugiu
correndo em direção à Japiassu Coelho. As vítimas começaram a gritar por
socorro e teriam sido atendidas pelos ocupantes de um carro e de uma moto, que
teriam perseguido o rapaz e retornado ao local do crime com a bolsa da mulher.
A idosa sofreu ferimentos no cotovelo esquerdo. Questionada pelos policiais,
ela disse não conhecer as pessoas que teriam ido atrás do suposto ladrão e
recuperado o pertence. O jovem internado foi reconhecido pela vítima no HPS
como sendo o responsável pela ação criminosa.
O casal também foi atendido por médicos na unidade e ainda prestou
declarações na 1ª Delegacia Regional de Polícia Civil. Antes de falecer,
Marcelo Rodrigues ficou no hospital sob escolta, já que teve o flagrante
confirmado por roubo qualificado. Apesar das buscas, os militares não obtiveram
mais informações sobre os agressores. Segundo a assessoria de comunicação da
Polícia Civil, o auto de prisão em flagrante será enviado à Justiça, sendo
encaminhado, posteriormente, à Delegacia Distrital responsável pelo Bairro
Cascatinha para investigação da autoria do crime de homicídio.
A mãe do rapaz morto, que por ironia
do destino trabalha como cuidadora de idosos, não conseguiu reconhecer o corpo
do filho num primeiro momento. Desfigurado, Marcelo só foi identificado pela
genitora em função de uma tatuagem no braço. A família conta que o jovem ficou
internado durante boa parte do ano passado na Casa de Saúde Esperança, onde
recebia atendimento psiquiátrico e tratamento para a dependência química. Uma
nova internação estava sendo buscada em Petrópolis (RJ).
“Ninguém está autorizado
a matar”
A notícia do linchamento de Marcelo
divide opiniões e traz à tona mais do que a questão da insegurança. Para a vice
presidente da OAB/Juiz de Fora, Valquíria Valadão, a justiça feita pelas
próprias mãos coloca toda a sociedade em risco. "Ninguém está autorizado a
matar, nem o Estado, pois, no Brasil, não existe pena de morte. Uma sociedade
histérica, que age com vontade de vingança, coloca todos sob ameaça, porque
qualquer um pode ser confundido na rua com um bandido. O jovem foi linchado,
sem qualquer julgamento. Mas se tivesse havido um erro? Mata-se a pessoa
errada? Esse estado de desorganização, que leva a selvageria, é um risco
coletivo. Embora o ato do jovem tenha sido covarde, o que desperta revolta, o
linchamento também é crime. Não estamos protegendo o infrator, muito menos a
impunidade, mas dizendo que o nosso papel é lutar para que o Estado atue,
tomando as medidas cabíveis. Quando o Estado falha, há uma quebra de confiança,
e o medo acaba levando as pessoas a reagirem, perdendo a cabeça. Mas não se
pode cometer um crime, porque o outro cometeu. Ao se combater a violência com
mais violência, a guerra urbana é acirrada."
O jurista Paulo Medina também cita a
insegurança e a revolta coletiva provocadas pela ausência de medidas
protetivas, pela morosidade da Justiça e pela deficiência das ações policiais.
"Essa é uma reação de momento, de revolta contra o estado de insegurança
em que nós vivemos. O que precisamos é de um policiamento mais efetivo, de
medidas concretas que possam conter esse clima de insegurança que existe em
todo o país. O problema é de tal gravidade que requer a implantação de um plano
nacional de segurança pública. No entanto, no caso em questão, houve uma reação
desproporcional e desorganizada. Não podemos permitir que, num mundo
civilizado, prevaleça a velha lei de talião, do olho por olho e dente por
dente. Se a vítima tivesse reagido ainda estaria presente a legítima defesa,
mas a população? Isso é um sinal de que a ordem social está muito abalada. A
repetição de situações como essa caracteriza uma crise da ordem jurídica. O
direito existe para estabelecer a disciplina da convivência social."
Na visão da secretária geral do
Instituto Carioca de Criminologia e professora de criminologia da Faculdade de
Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Vera Malaguti, usar
o medo para explicar o linchamento é legitimar uma mentalidade de extermínio.
"Essa mentalidade exterminadora vem naturalizando a brutalização, a
truculência policial e o estereótipo do inimigo público. Não entendo a justiça
com as próprias mãos no país que mais prende no mundo. Há uma total cegueira em
relação à questão criminal. Entre um assalto e um assassinato qual é a questão
mais pungente? Essa mentalidade exterminadora está produzindo uma sociedade
muito violenta capaz de derramar todo o seu ódio em um garoto com problemas
psiquiátricos, negro e pobre. Duvido que um garoto branco de classe média fosse
linchado no Cascatinha", disse a professora, que conhece o bairro
juiz-forano.
Para W., 33 anos, um dos cinco
irmãos do jovem linchado, saber que Marcelo foi agredido até a morte é algo
muito duro. "Embora as pessoas que fizeram isso com ele não soubessem dos
probleminhas que ele tinha, não é mole saber como ele foi morto. Dá uma ira na
gente. Se não nos apegarmos com Deus, a gente comete uma loucura." O casal
de idosos que foi vítima de Marcelo foi procurado pela Tribuna, mas não foi
localizado no endereço apontado na ocorrência policial na tarde de ontem.
População insegura cobra policiamento
O caso do jovem Marcelo Rodrigues se
soma a outros que, recentemente, têm levado medo a moradores e comerciantes do
Cascatinha. Muitos deles, em entrevista à Tribuna, na tarde de ontem,
consideraram que a morte do rapaz foi um ato extremo que tem ligação direta com
a atuação policial, que, segundo eles, não estaria sendo satisfatória. "Há
muitos assaltos no bairro. Há 15 dias, uma lotérica sofreu uma tentativa de
roubo, e foram os próprios moradores que conseguiram deter o ladrão até a
chegada da polícia. Se o policiamento estivesse nas ruas, quando precisamos,
essa tragédia não teria acontecido", disse a proprietária de um
restaurante de 49 anos. Uma comerciante, 51, afirmou que: "Falta
policiamento, falta respeito às pessoas e, principalmente, aos idosos. Hoje a
juventude tem vários direitos, mas se esquecem dos deveres. Neste caso, o rapaz
passou de autor à vítima." Um auxiliar administrativo, 45, morador do
bairro, enfatizou: "O policiamento é falho, e o bandido aproveita a hora
que é boa para ele. Desta vez, infelizmente, se deu mal. O aumento dos casos de
violência é perceptível desde o fim do ano passado, e isso é preocupante",
destacou o trabalhador, lembrando que o posto da PM no bairro não tem
funcionamento permanente. "A polícia só atua na principal via. As outras
ficam desprovidas de policiamento, o que acaba ocasionando atos de
violência", frisou uma empresária, 31.
No último dia 20, um jovem teve seu
carro roubado ao ser vítima de um sequestro-relâmpago, quando chegava em casa.
Em 14 de março, um homem foi preso por populares e entregue à PM depois de
tentar assaltar a lotérica, com arma de brinquedo. Em 6 de março, um homem, 50,
teve R$ 5 mil roubados em um caso de "saidinha de banco", na Avenida
Doutor Paulo Japiassu Coelho. Em janeiro, um alinhador automotivo, 28, sacou R$
5 mil em uma agência bancária, na mesma avenida. Ele foi rendido por dois
criminosos, armados de pistola. Eles roubaram todo dinheiro e a chave do carro da
vítima.
Para o subcomandante da 32ª Companhia da PM, tenente Osvaldo Anibes, o
patrulhamento no Cascatinha e bairros vizinhos é realizado de maneira regular.
"Temos patrulhamento com três motos durante o dia e a noite, além de
viaturas para patrulhamento preventivo, que mantém contato com os comerciantes
da área. Contamos ainda com viaturas para atendimento de ocorrências e com
policiamento realizado com tático móvel durante 24 horas, sem falar do apoio
que temos da 3ª Companhia de Missões Especiais, da Companhia de Trânsito, da
Rotam e do Canil", afirmou o tenente, acrescentando que a prevenção é
realizada em todas as ruas do Cascatinha, mas que a Avenida Paulo Japiassu
Coelho, por ser a principal via de acesso e concentrar o maior número de estabelecimentos
comerciais e área bancária, recebe atenção maior. Quanto ao posto, o militar
disse que policiais ficam no local em horários alternados, que não são
divulgados para funcionar como elemento surpresa e inibidor de delitos. "O
comandante do posto, que sempre é um sargento, está em constante contato com a
comunidade."
Tribuna de Minas - 27 de Março de 2012 - 06:00